Ingerir bebidas que contenham álcool em sua composição está para a civilização humana como a própria história da humanidade – as duas, em sua gênese, são interligadas. Que o diga a antiguidade chinesa, onde, possivelmente, as bebidas alcoólicas tenham sido inventadas cerca de 8 mil a.C., conforme pesquisadores.
Também não é possível esquecer as antiguidades egípcia, grega, romana, ou as épocas da Europa medieval, iluminista, mercantilista, e claro, saber que mesmo os autóctones da América possuíam suas bebidas fermentadas. Para além de suas influências, proibições e conexões a status social ao longo da evolução do homem, ficam as discussões sobre seus perigos, tanto à saúde do corpo quanto à mental.
De acordo com estudo divulgado em 2012, pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas (Inpad), a população brasileira manteve praticamente o mesmo índice de abstinência no consumo de etílicos, no ano de 2006 obteve 48%, já em 2012 chegou a 52%.
O Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (II Lenad) demonstrou, porém, um aumento de 20% dos consumidores frequentes de bebidas. Enquanto 52% dos entrevistados se diziam abstêmios, os outros 48% estavam divididos entre aqueles que bebiam moderadamente (32%) e aqueles que ingeriam quantidades nocivas de etílicos (16%).
Nos dados, aproximadamente dois a cada dez indivíduos dos que revelaram beber (17%) apresentavam critérios para abuso e/ou dependência do álcool. Em números, 67,2 milhões de pessoas são bebedores e destes 11,7 milhões são abusadores ou dependentes de etílicos.
Porém, em maio deste ano, a Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou um levantamento que mostra que o consumo de bebidas alcoólicas no Brasil superou a média mundial. Ainda conforme os dados, em média, entre 2008 e 2010 foram consumidos 8,7 litros de bebidas por pessoa no País. A média da OMS é de 6,2 litros, considerando maiores de 15 anos.
Efeitos prejudiciais
Para os estudiosos do assunto Ronaldo Laranjeira e Alessandra Diehl Reis, o alcoolismo é considerado “um grave problema de saúde pública, sendo um dos transtornos mentais mais prevalentes na comunidade. Trata-se de uma patologia crônica, com muitas recidivas, inúmeros prejuízos clínicos, sociais, laborais, familiares, econômicos e, frequentemente, associados às situações diversas de violência (sexual, doméstica, suicídios, homicídios etc.), acidentes de trânsito e traumas em muitos países do mundo.”
De acordo com dados do II Lenad, 21,8 milhões dos adultos que bebem disseram já não ter sido capazes de conseguir parar depois de começar a beber; 6,6 milhões disseram que alguém já havia se machucado devido ao seu consumo de álcool; 7,4 milhões admitiram que tiveram problemas no trabalho e 4,6 milhões que perderam o emprego por causa da bebida; já 12,4 milhões de pessoas disseram que o efeito prejudicial foi na família ou no relacionamento.
A pesquisa também relaciona o ato de beber e dirigir como perigo, mas informa que, nesse caso, houve uma redução de 21% na proporção de indivíduos que realizam a prática. Além disso, o estudo aborda o elo existente entre a bebida e a violência, como envolvimento em brigas na rua, porte de armas de fogo e a agressão doméstica contra os filhos e parceiros.
Outro efeito verificado foi que dos 5% de brasileiros que já tentaram tirar a vida, dois em cada dez a tentativa estava ligada ao álcool, ou seja, 24%. Dessa forma, o estudo relaciona o beber problemático à depressão.
Álcool no corpo
O etanol encontrado nas bebidas e ingerido pelos apreciadores é formado por pequenas moléculas que são facilmente absorvidas com facilidade pelo organismo pela parede estomacal. Com o estômago cheio de alimentos, as moléculas encontram mais dificuldade de realizar essa absorção. Por isso, pessoas que se alimentam têm mais dificuldade em ficarem embriagadas.
O fígado é o órgão responsável pela transformação das moléculas de etanol em gás carbônico (CO2) e água (H2O). Porém, se a ingestão deste for em grande quantidade, ou se o teor alcoólico da bebida for elevado, não haverá tempo suficiente para que ocorra essa metabolização e o teor de álcool no sangue aumenta. O primeiro efeito é a alteração da razão, da fala e visão, depois coordenação motora. Se a ingestão não cessar, poderá haver a perda da consciência, o que pode acarretar em casos graves a levar o indivíduo à morte.
Efeitos clínicos
Além da dependência, que precisa ser tratada por um profissional especialista, depois de haver o diagnóstico, o alcoolismo pode provocar ou ser um facilitador para o acometimento de um indivíduo por inúmeras doenças. É o que explica à reportagem a gastroenterologista especialista em hepatologia, Patrícia Souza Almeida Borges. Há seis anos atuando na área, a médica informa que, na maioria das vezes, o etilista crônico procura ajuda quando está com alguma doença em estágio avançado.
Patrícia afirma que, geralmente, os principais órgãos atingidos pelo álcool no organismo são o fígado, trato gastrointestinal (que inclui todos os elementos do sistema digestivo), pâncreas e o sistema neurológico. No cérebro, o etanol pode provocar a degeneração de células, o que a longo tempo compromete suas funções, ocasionando doenças neurológicas como as demências. De acordo com a gastroenterologista, as doenças mais comuns relacionadas às outras partes do corpo são: úlcera péptica, doença do refluxo gastroesofágico, pancreatite crônica, diarreia crônica, cirrose hepática e também a desnutrição.
Para a médica, com a perda de vitaminas e outros elementos essenciais ao corpo, principalmente as vitaminas do complexo B, acontece a desnutrição. Essa perda de nutrientes ainda acomete a imunidade do indivíduo. Com a baixa do sistema de defesa, o organismo fica propício a sofrer infecções, geralmente de pele, e piorar outros quadros clínicos que a pessoa já possuía.
“Também há uma associação entre o etilismo crônico e o desenvolvimento de câncer. Isso por causa da maior exposição do trato digestivo ao etanol, chamado de carcinógeno (que aumentam a predisposição ao desenvolvimento de câncer) e em alguma pré-disposição genética. Pode haver câncer na boca, no esôfago, estomago, pâncreas e fígado”, completa Patrícia. Ainda de acordo com a médica, os pacientes com cirrose hepática podem apresentar ascite (líquido acumulado no abdômen), hemorragia digestiva, icterícia (amarelão), encefalopatia hepática (piora nas funções cerebrais que pode levar ao coma).
Os perigos
Apesar de ser aceito pela sociedade, o álcool oferece uma série de perigos, tanto para quem o consome quanto para as pessoas que estão próximas.
Grande parte dos acidentes de trânsito, arruaças, comportamentos antissociais, violência doméstica, ruptura de relacionamentos, problemas no trabalho, como alterações na percepção, reação e reflexos, aumentando a chance de acidentes de trabalho, é proveniente do abuso de álcool.
Sinais do alcoolismo
Você já sentiu que deveria diminuir a bebida?
As pessoas já o irritaram quando criticaram sua bebida?
Você já se sentiu mal ou culpado a respeito de sua bebida?
Você já tomou bebida alcoólica pela manhã para “aquecer” os nervos ou para se livrar de uma ressaca?
Apenas um “sim” sugere um possível problema. Em qualquer dos casos, é importante ir ao médico ou outro profissional da área de saúde, imediatamente, para discutir suas respostas. Eles podem ajudar a determinar se você tem ou não um problema com a bebida, e, se você tiver, poderão recomendar a melhor atitude a ser tomada.
Fonte:Diário da Manhã